ARTIGO: FILÓSOFOS E PROFETAS

Foto: Reprodução/Instagram

A reflexão não suporta polarização; mas reconhece a polaridade. Uma obra que nos ajuda a pensar esse dinamismo da condição humana é o texto de Romano Guardini: “L’opposizione polare, Saggio per una filosofia del concreto vivente” (versão italiana). O teólogo Ítalo-germanico faz uma hermenêutica do processo dialético que perpassa a história do pensamento ocidental e assume uma visão integrada desta cultura que no sujeito vivente tem sua forma e aí é sintetizada. Essa obra tem uma influência determinante na antropologia filosófica do Papa Francisco e pode-se dizer que é referência indispensável para a compreensão e o acolhimento da teologia pastoral do Pontífice. Essa percepção será importante para considerarmos o seguinte.

Para quem é amante da filosofia e já leu a República de Platão, mais especificamente o livro sete, que trata do Mito da Caverna, pode constatar que parece que vivemos um tempo em que as pessoas estão achando mais cômodo viver na escuridão, nas trevas e na ignorância, do que no real e na verdade. Há uma demência quase que generalizada. Assim como falamos que na Igreja contemporânea, além do Papa Francisco, estamos a necessitar de personalidades proféticas, especialmente na Igreja do Brasil, outrossim, a partir da metáfora platônica, ansiamos urgentemente por mentes iluminadas que nos ajudem a perceber que não estamos determinados pela estúpida ignorância, já que também podemos falar de uma “douta ignorância” (De Cusa, Nicolau).

Podemos fazer uma relação bem interessante entre o papel do filósofo e do profeta. Em ambos existe a novidade, o inquietante, como também a complementação. Num o desejo de desvendar a verdade (O filósofo); no outro a missão de anunciá-la e testemunhá-la (O profeta). O mundo contemporâneo ainda mais confuso e mergulhado na complexidade, especialmente na pandemia e depois dela, precisa dos dois atores, não do espetáculo; mas da busca e da promoção da verdade, que será sempre libertadora. Quando lemos e refletimos sobre o livro sétimo do discípulo de Sócrates, nos incomodamos e constatamos tantas situações de alienação, irracionalidade e posturas estultas de tantos indivíduos que compõem instituições em estado vegetativo.

Tanto no modo de agir do filósofo, quanto no do profeta, existe a contemplação. Contudo, enquanto que, no do primeiro esta acontece a partir do uso da razão e de fora da realidade; naquele do segundo esta acontece dentro e pela via da ação. Um instrumento transversal é o usufruto da “palavra” para dizer o que se quer e a Quem desejam revelar, que é o único necessário, a saber: a Verdade. No Pós-moderno o que mais caracteriza o drama antropológico é sua carência da verdade. Num mundo onde houve a inversão e a troca do real pela manutenção da relação e da narração, o papel da sabedoria do filósofo e da coragem do profeta é extremamente necessário. Essa, quiçá, seja a mesma via que sempre fez, faz e fará com que o filósofo e o profeta tenham um lugar qualificado na história dos que desejam ver a Luz.

Por fim, nos resta indicar umas pistas: é necessário que façamos uma opção. A questão estará sustentada pelo bom uso da “liberdade”. Onde estará o nosso coração, aí também estará o nosso tesouro. Tanto no assumir a postura do filósofo, como na do profeta, existirá sempre o risco de sermos tratados como loucos. Quando constatou a “morte de Deus” do processo civilizatório ocidental, Nietzsche encarnou características destes dois atores. Mas o grito era do homem louco. Outro ponto que pode ser chamado também em causa é que oxalá essa seja a mais ousada vocação do Cristão nesta fase crítica do tempo presente, que é a de ser buscante permanente da verdade pela razão e seu defensor eficaz pelo testemunho. Neste sentido podemos ser protagonistas críticos da história, sendo luz e sal da terra; como humanos viventes, filósofos e profetas. Assim o seja!

Por Pe. Matias Soares / Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Natal
Compartilhe