O contemporâneo nos coloca numa linha muito tênue entre o que seja a admiração e a autorreferencialidade. Como frequência, nos deparamos com postagens dos ‘influenciadores digitais’. Eles massificam as informações, as correntes de modas, ideologias, e várias outras produções culturais que precisam ser consumidas e acolhidas pelas massas, que são condicionadas a engolir e consumir as articulações mercadológicas e sistêmicas dos tempos atuais. Somos convencidos, atualmente, de que as novas ferramentas digitais determinam o nível de admiração e respeito que as pessoas podem devotar a outra. Há um autoengano, que engana as relações pessoais e sociais.
Na Igreja essa mentalidade entrou. Há quem confunda esse poder e capacidade de persuasão com o nosso ‘estilo pastoral’. Esses novos utensílios precisam e devem ser usados para o anúncio do Evangelho; contudo, não podem substituir o conteúdo deste, que é a Pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus, que morreu e ressuscitou para a nossa salvação (cf. At 3,15). O nosso testemunho de fé e de vida como discípulos e missionários Dele deve ter esse total engajamento na conquista da admiração por causa do nosso testemunho da verdade, anunciada e testificada até a morte por Ele, tendo em vista a glória de Deus e a nossa redenção. Na sociedade da sedução (cf. G. Lipovetsky), a atração à vida cristã e eclesial sempre se volta para este Fundamento. A beleza da genuína espiritualidade cristã tem nessa constatação o seu sentido e a sua força. Uma profunda mística embasada na total confiança na graça e auto comunicação de Deus é o que nos dará consistência no que todos esperamos do amor puro e simples, mas total, revelado em Jesus Cristo, filho de Davi, Filho de Deus (cf. Mc 1,1; Mt 1,1).
A autorreferencialidade tira do cristão a oportunidade de ser testemunha de Jesus Cristo, seu único Mestre e Senhor. O leva a viver uma espiritualidade pagã e mundana, que era muito comum no catolicismo burguês fortemente criticado por filósofos e teólogos que visualizaram a fragilidade do cristianismo que perdeu em muitos momentos críticos da sua história os seus elementos fundantes e bases de crédito. Não é em vão mencionar as preocupações de teólogos como Harnack, R. Guardini, L. Boff e B. Forte, que escreveram sobre a ‘essência do cristianismo’, justamente para trazer uma resposta contemporânea às desconstruções feitas, especialmente pelos chamados pensadores da suspeita, a saber – Freud, Marx e Nietzsche – acerca do que o cristianismo na prática representava para o indivíduo e para sociedade. Ainda acrescentaria: L. Feuerbach. Este último fez, quiçá, a mais ferrenha crítica epistemológica à questão de Deus no pensamento moderno.
A presença da Igreja nos meios de comunicação tem significado quando quem está neles tem consistência narrativa e testemunhal. O cristão sem qualidades existenciais não consegue enganar as pessoas envolvidas nestes processos interativos por muito tempo. As novas maravilhas elevam; mas também desconstroem com muita velocidade. É instantâneo e venal. Como redes, conseguem capilaridades construtivas e destrutivas. Por isso, não é suficiente estar nas mídias sociais, é necessário ser e ter credibilidade pessoal e social.
A admiração às pessoas gera desejo de seguimento. A lógica de ser e estar com, para nós cristãos, é diferente do sentido tributado na atualidade aos cooptadores de ‘seguidores’. A admiração devotada à Jesus Cristo é consequência de uma vida marcada pela sua autoridade nas suas palavras e ações (cf. Mt 7,29). Não era a retórica, nem seria, na realidade atual, a presença nos meios de comunicação, simplesmente, que concederia a estupefação causada por Jesus nos seus ‘admiradores’. É algo mais: a admiração cristã acontece pela constante, diária e encantadora alegria do ‘encontro pessoal com Jesus Cristo’. A vida dos mártires e santos da história da Igreja, como também de todos aqueles que testemunham a sua fé nas pequenas atitudes reveladoras da sua conversão ao evangelho no dia a dia, é que porta à Igreja e para o mundo a ‘verdadeira e magnânima admiração’.
Na sociedade líquida e da sedução o homem medíocre necessita das potencialidades das mídias sociais, tanto para o bem, como para o mal; tanto para pavonear-se, como para destruir-se. A tradição cristã alicerçada no evangelho e na tradição viva da Igreja tem que dar saltos contínuos de qualidade e elevação ao sublime. Esse binómio – admiração e autorreferencialidade – está sufocado pela ordem sistêmica hipermoderna e pós-pandêmica. É algo ainda profundamente angustiante. Estamos na busca obscura de um ‘novo normal’, nesse mundo que não é o “admirável mundo novo” preconizado por A. Huxley. A Igreja tem desafios pastorais prementes aos quais precisa considerar, tendo em vista a centralidade do ser humano, que mais do que nunca está demasiadamente humano, e agora ainda pós-humano; mas sempre aberto ao transcendente.
As sementes do verbo, assim como no passado, continuam a ser o fermento da massa que necessita de novos métodos para sua propagação, mas com referenciais teóricos e contenutísticos sempre novos, para que o cristianismo possa ser atrativo e admirado, sem jamais perder essa consciência que “no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (cf. Bento XVI, Deus Caritas est, 1). É nessa perspectiva que deve haver o anseio pela admiração de todos os batizados, discípulos de Jesus Cristo e filhos da Igreja.
Há ainda, mais recentemente, a ideia que estamos já passando de uma fase das narrativas pós-modernas, marcadas pelo que convencionou-se chamar de Era da pós-verdade, com suas desconstruções e liquefações, para uma fase de ‘autoenganos’. Nesta, as verborragizações e vociferações ganham força nas falas de lideranças políticas. Através destas, os narcisistas, egolátricos e fascistas, com ideias totalitárias, criam e chamam para si engenharias mentirosas e demagógicas. No campo da política está sendo muito comum. Todos aparecem como bons, impecáveis, figuras que dizem só se preocupar com o povo; mas que, patentemente, só têm intenções de perpetuarem-se no poder, com seus aglomerados e boiadas mais próximas e subservientes. É lamentável o momento de profunda crise da identidade da política, que é vocacionada a ser a forma humana de consecução da justiça e do bem comum.
Por fim, essa preocupação existencial é pedra de toque acerca do modo como nos colocamos no mundo. O nosso testemunho cristão, que quando é puro e simples atrai o ser humano a Jesus Cristo, é o que precisa ser posto como via indispensável para que o mundo creia e, crendo, tenha a vida eterna (cf. Jo 20,31). As pomposidades e arrumações podem sinalizar mais fragilidades e medos do que confiança na energia fulgurante do evangelho, que é exigente; mas sacia e enobrece da humanidade. A nossa própria humanidade! A ânsia por admiração tem que estar sustentada pelas palavras e ações de Jesus e focadas na nossa própria doação servidora a Deus e ao próximo. Eis o caminho. Assim o seja!
Por Pe. Matias Soares / Pároco de Santo Afonso M. de Ligório, em Natal
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