GUTENBERG COSTA: ALGUNS APELIDOS EM NÍSIA FLORESTA

Foto: Cedida

Começo perguntando aos leitores e leitoras: quem não teve apelido? Ou mesmo, quem não colocou, sem maldade um apelido em alguém na vida? Faço como aquela história bíblica tão conhecida entre nós. E quem se achar santo ou santa, que atire a primeira pedra! O apelido é antes de tudo, uma caricatura oral do apelidado e antiguíssimo, principalmente em cidades e comunidades pequenas. Ás vezes, até inexplicáveis. Alguns apelidados não gostam da brincadeira, outros dão risadas e levam a vida normalmente com seu bom humor entre as amizades. Sabe-se que o assunto é polêmico nos dias atuais e até já lhe deram uma nomenclatura americanizada – ‘Bullying’, que em se tratando de humilhação é crime. Toda zombaria e racismo são crimes e eu só endosso. O povo já vive espoliado demais, e isso, desde a chegada e invasão do senhor Pedro Álvares Cabral.

Muitos folcloristas trabalharam a temática e fizeram coletas de apelidos em suas viagens e pesquisas de campo. Inúmeros cronistas o abordaram em seus textos, como o grande e saudoso amigo Carlos Heitor Cony, que em um de nossos encontros no Rio de Janeiro, afirmara-me que havia sido convidado por uma editora para trabalhar um livro sobre apelidos e apelidados de seu tempo e convívio. Segundo o mesmo, só não aceitara o tal desafio, por falta de tempo. E essa conversa boa com o mestre Cony, se deu, quando eu lhe contara do sonho do meu livro, fruto de pesquisas bibliográficas e de campo no RN, que depois seria intitulado – ‘Dicionário Papa Jerimum, Apelidos & Afins’, de 2001, com mais de 5 mil apelidos, em 248 páginas, editora Argos. O referido livro com uma edição de mil exemplares, foi lançado em Natal e algumas cidades e em pouco tempo foi esgotado. Foi o único trabalho do gênero no RN. E diga-se que a obra em questão, foi muito bem recomendada pelos amigos Celso da Silveira, Mário Souto Maior e Franklin Jorge. Acabou ligeiro, feito manteiga em venta de gato!

Depois da citada obra espalhada no mundo, eu continuei anotando os apelidos ouvidos, aonde quer que eu andasse pelo nosso Estado. E chegando para morar definitivamente em Nísia Floresta, há mais de cinco anos, fui logo me deparando com muita gente já apelidada, bem antes mesmo de minha chegada. Em poucos dias, fui procurar um barbeiro bom para ajeitar quinzenalmente minha barba e logo me indicaram o velho ‘Piaba’, que atendia em seu ponto na rua da feira. ‘Piaba’, baixo e risonho, sempre ao me atender tinha belas histórias na ponta da língua. No dia do trágico acidente com o time de futebol Chapecó, eu estava em sua barbearia e o citado barbeiro conversador, me dá logo a sua opinião sobre aviões: “Professor, eu não confio nesse troço dos diabos, que quando quebra lá em cima, a oficina fica longe e lá embaixo!”. Depois de pouco tempo, com a vista cansada e outras partes já ‘enferrujadas’, o meu primeiro barbeiro de Nísia, se aposentou e fechou seu ponto disputado entre seus antigos fregueses e amigos. Acabou-se o que era doce!

Comecei as minhas viagens nos alternativos e logo travei conhecimento com o mais famoso cobrador apelidado de ‘Peixe’. Ninguém sabe seu nome e ele mesmo gosta de ser chamado de, ‘Peixe’. Quando nasceu seu filho, ele o pai, foi logo tratando o menino de ‘Peixinho’. Este, vive rindo e brincando a viagem toda com os passageiros. E quase ninguém escapa de suas pilherias. Aqui aonde moro é difícil encontrar alguém sem ter apelidos. Anotei alguns até agora: ‘João Galo’ é meu vizinho. O ‘Zé Mago’, vende peixes e camarões. ‘Munguzá’, deixou de vender sua iguaria e mudou-se para Macaíba. Chagas ‘do leite’, me vende leite desde que cheguei e como no sistema europeu, sempre o deixa no meu portão, sem ninguém mexer até eu o retirá-lo. Quando vem e eu estou aposto, o mesmo aproveita para tirar uma prosa comigo: “Seu Berg está gostando da cruviana pela madrugada?”. “Esse calor tá pior do que fornalha dos infernos!”. O amigo seu Chagas, já me ensinou remédio de mato, que muito médico famoso de Natal, jamais me receitaria para minhas curas: “tiro e queda nas doenças”. E esse assunto ficará para outra prosa com os pacientes leitores e leitoras.

Dizem que o apelido quando ‘pega’ vai até a morte. Tem gente, que só foi temporariamente apelido na infância ou adolescência. Existem pessoas que ao olhar alguém, de imediato lhe vai colocando um apelido. Dizem também nas pequenas cidades, que quanto mais o apelidado se incomoda, mais o apelido se espalha. Eu mesmo, ao longo da vida, já fui apelido por alguns amigos de bom humor. Os ditos apelidos, que ficam restritos aos apelidados e apelidantes. Por exemplo: o jornalista Flamínio Oliveira, que trabalhava comigo na mesma repartição, até hoje, só me chama de ‘Gordo’. E eu tinha quase o dobro do peso de hoje. Já o saudoso mestre Deífilo Gurgel, ao perguntar por mim aos amigos, se referia dessa maneira: “Cadê o trator”. Dizia ele, para justificar o apelido, que eu enfrentava e ultrapassava os piores terrenos. Todas as pedras do meu caminho eram ultrapassadas, com muita perseverança, tranquilidade e humor sempre! Eu apenas seguia os sábios conselhos de minha mãe, dona Estela e daquela velha canção: “Sacode a poeira e dá volta por cima…”.

E outro, que não me chamava pelo meu nome, era o saudoso amigo e chefe de trabalho, o jornalista João Batista Machado, que ao mandar me chamar a sua sala, recomendava a sua secretária, dona Luci: “Me chame aqui o inventor da imprensa!”. Ou então, assim: “Me chame aqui o alemão!”. Sempre solidário e rindo, ‘Machadinho’ explicava, que era por causa do meu nome e origem geográfica do inventor da imprensa, o Gutenberg. Com ‘n’ antes do ‘b’.

Taí leitores e leitoras, um pouco do prometido ao meu querido amigo e editor do Nísia Digita, Agripino Junior, e como dizem na feira as sextas feiras no centro de Nísia Floresta – Tudo de uma vez só abusa!

Morada São Saruê/Nísia Floresta/RN.

Por Gutenberg Costa – Presidente da Comissão Norte Riograndense de Folclore
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