PASTORAL URBANA E A MENTALIDADE COLONIZADORA

A ação missionária no mundo urbano, com seus espaços e mentalidades, é uma das maiores preocupações da Igreja na contemporaneidade. Uma das referencias para a direção deste olhar é dada pelo Papa Francisco (EG, 71-75). A cultura urbana precisa ser assumida como um lugar teológico na pós-modernidade. Essa admoestação do Pontífice nos provoca a assumirmos esse desafio, quando ele assevera que «precisamos identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tateando, de maneira imprecisa e incerta» (EG, 71). «A fé nos ensina que Deus vive na cidade» (Doc. Ap, 514).

A proposta da conversão missionária de toda a Igreja está sendo incentivada em muitos setores das comunidades eclesiais, centros acadêmicos e por muitos fiéis batizados que querem ser Igreja neste III milênio. Sabemos que existem “resistências”; contudo, a própria Igreja deve tomar consciência que na sua história progressiva, os que fizeram a diferença qualificativa foram os que estiveram em comunhão, sem negar as diferenças. Os que fomentaram a divisão perderam a beleza da genuína catolicidade. Ferir a unidade, por relação pueril com o secundário, sempre foi uma armadilha na qual muitos caíram e permaneceram no vácuo indecifrável da sua identidade eclesial. Não existe cristão católico sem comunhão com o Sucessor de Pedro. Não é à toa que em todas as celebrações eucarísticas rezamos pelo Pontífice, seja ele quem for. Isso serve para todos nós. Aqui é recomendável a leitura da construção eclesiológica de U. von Balthasar sobre o “primado petrino”.

A conversão pastoral de muitos membros da Igreja, sejam ordenados, ou não, ainda pode ser consequência da mentalidade colonizadora que fomentou a formação eclesiástica de setores da catolicidade; principalmente, na nossa América Latina, e aqui reitero: Nas estruturas formativas do nosso Brasil. Muitos ainda somos filhos da cristandade

colonizadora. Pensamos que as normas e rubricas, as fantasias e adereços, as planificações físicas e espetaculares, são mais importantes do que o anúncio primeiro e performativo do Evangelho. As construções aparentes e históricas que foram sendo agregadas à “única e universal Tradição da Igreja” sempre deviam e devem existir para promover a Boa Notícia do Reino de Deus. Esse nunca deixará de existir sem aquelas. Só uma pessoa convertida à proposta do seguimento de Jesus Cristo assume conscientemente os dons que a Igreja oferece para que comunitariamente possa testemunhar o que professa e viver a Verdade na qual acredita.

A mentalidade colonizadora ainda é presente nos esquemas paradigmáticos de muitos membros eclesiásticos. Para alguns, a cristandade e a ideia de que a Igreja não é só sacramento do Reino de Deus; mas é o próprio reino, é constatável. Para estes, a Igreja não precisa sair, nem ir ao encontro de todos. Ela é autossuficiente e autorreferencial. Quem quiser venha atrás, já que se sentem donos da verdade e não servidores Dela. Existe um problema epistemológico e de poder, fruto de uma teologia superficial e sem relação com a eclesiologia do Vaticano II. Mesmo sem consciência, estes não aceitam as atualizações assumidas pela própria Igreja para ser e estar no mundo de hoje. A própria hermenêutica conciliar é fragmentada e polarizada, caso tenham estudado expeditamente os documentos conciliares e suas adaptações para a América Latina, desde Medellín até Aparecida. A organização e aplicação da Igreja para as exigências da ação missionária nos tempos hodiernos deveria revisitar essa possibilidade de reflexão. Não é à toa que em muitas paróquias ainda insistem em fazer pastoral urbana, como se estivessem falando para o mundo campesino, que também, graças aos novos meios de comunicação, já tem muitos sinais de ação da cultura urbana. A nova ecologia pastoral, que definirá um novo estilo eclesial nas circunstâncias urbanas, poderia avançar nessa construção da teologia.

Por fim, coloquemos essas questões em nossas reuniões, grupos de estudos, com o que estamos tendo do magistério eclesial, com a coragem de ser uma Igreja em Estado Permanente de Missão, nos dias atuais. Assim o seja!

Por Matias Soares - Padre da Arquidiocese de Natal
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