128 ANOS DA MORTE DE NÍSIA FLORESTA – ONDE ESTÃO AS ANDORINHAS E ÁGUIAS?

Por Luís Carlos Freire, para o Nísia Digital.

FOTO 998 - ARQUIVO LCFPara relembrar o aniversário da morte da personagem mais importante de nossa cidade, segue um texto do professor e historiador Luís Carlos Freire – No dia 24 de abril de 1885, no cemitério Bonsecours, em Rouen, França Nísia Floresta foi sepultada, aos 75 anos. Passados 128 anos desse acontecimento, torna-se importante inspirar os brasileiros a repensar o seu papel na sociedade, na condição de pessoas civilizadas, idealizadoras e protagonistas de um Brasil que cause orgulho a todos.

O nome de Nísia Floresta, conhecido internacionalmente – inclusive estudado em universidades americanas e italianas – conquistou esse mérito exatamente pelo nível de excelência das suas ideias. É importante, principalmente aos educadores brasileiros, divulgar nas escolas e universidades do país o tema Nísia Floresta numa proposta biobibliográfica, relacionando as suas ideias com a atualidade. O que as obras de Nísia Floresta têm de ultrapassada e atual? Quais as conquistas obtidas?

Ao invés de usar a imagem de Nísia Floresta, falar dela de forma sofista, colocar quadro na parede e ter atitudes análogas – como forma de promoção – urge aos brasileiros apropriar-se da sua imagem-ação no tocante a sua visão de mundo. E ter peito para ações concretas, seja quem for: gari, professor, costureira, político, empregado doméstico, minorias… Todos, pois o brasileiro atual não pode e nem deve agir com passividade e inércia diante da problemática social.

É preciso ter peito para vivenciar os ideais de Nísia Floresta, pois ela renegou tudo o que estropiava as engrenagens do progresso. Isso lhe trouxe inimigos, pois a maioria idealizava o contrário e cultuava esse zinabre. Não pode falar de Nísia Floresta quem têm raízes fortalecidas no solo da bruzundanga, regado com águas pútridas da corrupção. Não pode falar desse nome altruísta quem tem patrimônio construído em contexto escuso, decorrente da subtração dos direitos dos pobres, como fazem muitos por esse Brasil, sejam representantes de instituições públicas ou privadas, políticos e outros.

Nísia Floresta nunca se acomodou diante das injustiças. Gritou alto o seu pensamento. E teve motivos para se amedrontar, pois o que escrevia era abominável e escandaloso para a mentalidade da época. Não se trata de abominável e escandaloso no sentido de vulgaridade e promiscuidade – como alguns proclamam nos bastidores da ignorância – mas no que se refere a tornar públicas as suas ideias avançadas de civilidade.

O HOMEM daquela época – único gênero sociável com o sistema – que se atrevesse a conferenciar ou escrever algo que desnudasse a corrupção, o autoritarismo, os desmandos, os privilégios, enfim a enormidade de absurdos do governo monárquico seria anulado de alguma forma.

Imagine uma MULHER levantar-se contra tudo isso! Era pior, pois se tratava de um ser que não era reconhecido como cidadão. A mulher existia apenas para o lar. Sair de casa só para enterro, batizado e missa. Era impensável a mulher protagonista de ideais de civilidade, de pensadora política, enfim de pessoa com condições análogas às dos homens. É por esses motivos que Nísia Floresta fez tremer os espaços onde viveu.

Quando, em 1832, ela escandalizou o mundo ao escrever que uma mulher poderia governar a nação e um exército, ela não se referiu a uma mulher-boneco, produzida e moldada no seio da corrupção – a La Evita. Ou uma mulher programada para teatralizar, que simula realmente a inovação, que nos bastidores da noite reúne-se com o seu staff para analisar como produzir as “notas fiscais” do próximo mês. Mas a mulher que ao longo da vida tenha conquistado passo-a-passo os seus méritos, perpassando o seu nascimento e percorrido todas as etapas da vida na militância social, nas conquistas etc. Hoje, ela não se curvaria às mulheres que conquistam postos por ter mantido relação sexual com alguém mais poderoso e tornado sua amante, ou por ter sido colocada no poder por conveniência, ou meios disfarçados de democráticos. Não é esse o ideal que Nísia Floresta postulou ao seu gênero. Não é essa a emancipação que ela vislumbrou.

Nísia Floresta foi – também – feminista, mas, acima de tudo, pensadora contumaz, socióloga e jornalista na mais pura acepção da palavra. Antes dela nenhum brasileiro ousou a escrever o que ela escreveu e da forma como escreveu, seja sobre a educação, liberdade de imprensa, liberdade de culto, religião, regime republicano, abolicionismo, demarcação das terras indígenas, enfim as reformas político-sociais. Num exemplo mais claro, ela gritou contra a escravidão vinte e nove anos antes de a princesa Isabel nascer. Quando se oficializou abolição ela já militava há mais de meio século.

Na vasta biblioteca do seu pai, precocemente ela aprendeu inglês, francês, italiano, latim, grego, alemão e espanhol. Enfronhou-se no universo literário de filósofos e intelectuais europeus conceituados, e sempre atualizada conforme se vê nas suas obras.

Ela tornou-se um ser alado, cujas asas não mais cabiam no ninho onde nasceu. Não adiantava viver num país que anulava os próprios homens de espírito revolucionário. Mais ainda a mulher com tal perfil. Não se podia mexer no que estava construído. Sua voz jamais reverberaria num cenário geriátrico e atrasado. Todos apadrinhados pelo monarca e leitores de uma cartilha conhecidíssima. Muitos moucos, doentes e impossibilitados até mesmo de andar. Não se trata de preconceito. Leiam a Nova História! O que esperar de um império podre? Não havia espaço para alguém que pensasse à frente do seu tempo.

Amanda Gurgel, vereadora eleita no último pleito, em Natal, estado do Rio Grande do Norte, está causando um furdunço na Câmara Municipal. Sabe por quê? Simplesmente por ter a visão aquilina de Nísia Floresta. É possível que um divisor de águas esteja se instalando na edilidade natalense com essa vereadora. Isso é verão! Isso é visão!

Nísia Floresta foi um misto de andorinha e águia, pois voejava em grandes altitudes, enxergava de forma incomum e fazia verão. O imaginário popular diz que “uma andorinha só não faz verão”. Isso não é regra! Muitas cidades interioranas da nação brasilis, dantes acanhadas, (e amedrontadas também – diga-se de passagem!), mudaram aos poucos, motivadas por essas “andorinhas-águias”. Várias iniciativas de cidadania deixaram inúmeros saqueadores dos cofres públicos amedrontados e temerosos de sanções penais.

A mídia mostra barbaridades. Agora, os adeptos do escuso pensam duas vezes. Tem até corrupto promovendo ações de cidadania! Não se impressionem: é puro “receio”. O Ministério Público, a Polícia Federal, enfim as autoridades estão chegando.

Em muitos municípios brasileiros os poderes legislativo e executivo estão nas mãos de pessoas inabilitadas para interpretar documentos como o regimento interno, a lei orgânica municipal, o plano diretor, o estatuto das cidades, os programas federais disponibilizados, enfim tantos documentos e ações nobres e importantes. Isso corrobora com o efeito “lagartixa” condicionado por raposas velhas que dão as cartas. Muitas dessas pessoas ficaram ricas à custa de dinheiro desviado do serviço público, inclusive da educação. Interessa-lhes benefícios pessoais. Eventualmente fazem “ações de cidadania” para disfarçar!

Navegando na internet (não precisa nem perquirir) se constata situações de “políticos” assassinos, traficantes de droga, pedófilos, estupradores, semianalfabetos, orgíacos, sofistas, corruptos, enfim sem moral para legislar ou executar. E ainda hostilizam os repórteres e cidadãos comuns com ares de empáfia quando questionados. “Foi o povo que me elegeu”. Lógico! Povo que recebe essa “educação” não difere. Existe democracia por excelência e “democracia” sem essência: comprada!

O que se esperar dessa malta? Nada! É isso o que muitos fazem com grande parte da política no Brasil! Graças a Deus que não é algo generalizado, senão seria um caos. Existem políticos que, embora detestados pela maioria corrupta, estão na cola.

Sou filiado ao PT. Todos sabem que houve o escândalo do Mensalão. Um absurdo, e não se pode negá-lo. Seus autores já deveriam estar presos. Mas não se deve negar que no PT e em outros partidos existem nomes que causam orgulho ao mundo. A deputada federal Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, é um exemplo, dentre outros de partidos diferentes. Os ideais da intelectual Nísia Floresta estão em políticos idealistas e revolucionários. Fátima sofreu perseguições e deboches. Foi caluniada. Fizeram de tudo para impedir que a simples “professorinha” fosse candidata. Esses “gênios da política” – ou melhor, esses bangalafumengas – dizem que pessoas cultas, sérias e educadas “não entendem de política”. Da política deles é bom que ninguém entenda!

O esmigalhamento que imputaram à política ao longo do tempo é o mesmo imputado à questão religiosa. O catolicismo não tem mais nada a ver com a inquisição, simonia e indulgência, como alguns recordam em caráter de ataque. A maioria magistral dos padres são homens sérios. A pedofilia é uma exceção protagonizada por pervertidos que usam a seriedade da igreja. Aos pastores evangélicos sérios, não pode ser atribuído o espírito mercenário de uma minoria de falsos pastores que usam o evangelho para se locupletar.

Ocorre que uma parcela substancial de bandidos de todas as espécies e compleições, indivíduos de mau-caráter ou sem preparo algum, se apossa desse nobre patrimônio – Igreja e Política – para vivenciar o seu mau instinto. E acabam prejudicando os religiosos. A política brasileira está molestada por tais lobos e belarminos.

Por isso se ouve tantos jovens dizendo “detesto política!” É uma pena, pois bandido adora! Enquanto a maioria das pessoas idôneas recua, outra parte de bandidos avança. É por isso que a sociedade civil organizada, juntamente com o MP e os políticos sérios de todo o Brasil devem se unir e lutar para mitigar e extinguir paulatinamente esse câncer social. Os brasileiros de bem não devem se amedrontar nem recuar. Política não é bandidagem. Essa ciência, esse patrimônio nobre continua vivo e latente no coração das pessoas sérias, que assim como Nísia Floresta fazem a sua parte.

Poderiam dizer: Nísia Floresta, a andorinha solitária, aparentemente só fez nascer no torrão papariense, e alçou voo longínquo sem maiores contribuições ao seu estado e país. Não! Ela buscou um espaço onde pudesse aprender mais e dar vazão à sua visão de águia, com a dimensão filosófica que só ela possuía àquela época. 

Foi essa intelectualidade – transformada numa obra escrita em vários idiomas – que ecoou em todo o mundo, provocou mudanças e retornou para cá em forma de conquistas cidadãs. Essa conquista ela jamais teria conseguido se tivesse permanecido na sua inóspita vila imperial. E de igual forma nas provinciais Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Tal contribuição, aparentemente subjetiva e imperceptível, tem uma significação sem precedentes em diversos aspectos sociais.

Quem quiser ver as contribuições de Nísia Floresta, alce voo pelo país e pelo mundo e procure as escolas que avançam, os padres e pastores que pregam onde quer que estejam, a pessoa que vota e é votada, a mulher que dirige o caminhão, o afrodescendente com liberdade de ir e vir, o homem honesto que governa o município, a professora que publica o seu livro, as minorias com direitos reconhecidos, o promotor público que consegue pegar o corrupto “com a boca na botija”, a Câmara de Vereadores feita de homens sérios e capacitados, a empregada doméstica com direitos reconhecidos, o adolescente que lê Dostoyevsk, enfim, a plenitude da sã liberdade. Os ideais de Nísia Floresta estarão onde existir evolução benéfica à sociedade. Onde não existir corrupção, sofistas e suas contaminações.

Os feitos de Nísia Floresta estão dentro das pessoas. Nem tudo foi consertado. Muitas das suas ideias permanecem visionárias. Mas tudo é fruto de um processo. Tudo é envolvimento e luta, portanto, lute onde quer que você esteja. Do Oiapoque ao Chuí.

Brasileiros de todos os lugares, homens, mulheres, crianças e jovens podem ser protagonistas. Urge libertar as pessoas das prisões mais deploráveis que existem: a prisão das algemas e paredes invisíveis. Todos podem ter olhar de águia. Progresso e liberdade só existem com democracia plena. É possível a cada um construir um país melhor. Uma andorinha só faz verão, sim! Muitos verões transformadores já ocorreram. E têm muitos verões por aí prestes a rebumbar nos cenários verdourados da terra de santa cruz.

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5 respostas para “128 ANOS DA MORTE DE NÍSIA FLORESTA – ONDE ESTÃO AS ANDORINHAS E ÁGUIAS?”

  1. Adriano Freire

    Parabéns Professor Luis Carlos pelo excelente texto,afinal,o povo de Nísia perdeu um homem culto e inteligente, que com certeza,faria à verdadeira História do Município.Abraços:Prof:Adriano Freire

    1. Luis Carlos Freire

      Adriano, obrigado! Só gostaria de fazer uma observação: O nosso município de Nísia Floresta não me perdeu. Continuo participativo e envolvido através do meu blog nisiaflorestaporluiscarlosfreire, através do Nísiadigital (graças ao espírito democrático e jornalístico de Agripino), e através de outras formas que seria melhor serem tratadas por e-mail. O meu é brasilcentauro@yahoo.com.br
      Sei que você – a seu modo e dentro de suas condições – também contribui com Nísia Floresta. Usando uma palavra de um ex-“político” de Nísia Floresta: “estou afastado apenas para passar uma chuva”. É difícil despreender-se de raízes que estão na alma. Não estou disposto a esse corte de umbigo, por mais que isso cause ojeriza a alguns…

  2. Ajosenildo

    Lendo este texto, da pra se ter uma ideia da relação Nísia Floresta mulher com a situação de Nísia Floresta cidade nos dias de hoje. Para os que detém o poder foi mais fácil impor e mostrar a vulgaridade de Nísia Floresta nos bastidores da sociedade, com o objetivo único de descatar a outra face da moeda, pois imaginemos nós, se o povo de Nísia Floresta agissem conforme suas convicções, que cenário teriamos hoje em nossa cidade ?

  3. lucia mainente

    por que as pessoas burras e incapazes são tão invejosas professor? Ah!!!! é por que são burras e incapazes.

  4. Brenno

    Prezado Luis Carlos,
    Sinto-me na obrigação de agradecer-lhe pelo texto por ti escrito, que me fora muito útil na concepção de um trabalho escolar que me fora requerido. O nome da cidade traz consigo a lembrança da grande mulher que a batizara, e que deveria ter seu devido reconhecimento, não só pela população potiguar, mas pelo brasileiro como um todo. Desconhecia até então a história da mulher Nísia Floresta, fico feliz de poder ter tido acesso ao seu texto, que explicita e exalta o ícone que Nísia representa (ou deveria representar) à população de sua cidade. A coragem e ousadia exalada por Floresta se eterniza no nome de vossa cidade, uma homenagem mais do que merecida!
    Abraço.

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