Quando comecei as minhas leituras do documento de Aparecida, desde dois e mil e sete, fui subitamente motivado a pensar mais assiduamente sobre a urgência da pastoral no e do mundo urbano. Mesmo sendo oriundo de paragens campesinas, com a iminência da força da internet e, partir desta, das Mídias Sociais, fui sendo impactado pelas mudanças causadas por estes meios na cultura interiorana e seus habitantes. Mesmo com experiências seminarísticas e estudantis em outros países, o meu perfil social sempre foi timbrado pelas características geográficas e culturais de cidades onde nasci e nas quais exerci o ministério presbiteral no Agreste potiguar.
Mais uma vez, depois de mais uma vivência como estudante de teologia, desta vez como sacerdote, por um período de dois anos, em que tive outras oportunidades de conhecimento de cidades cosmopolitas, na Itália, mas também em períodos feriais para cursos sazonais, nos Estados Unidos e na Alemanha, os elementos das práticas pastorais continuavam a ser as últimas referências eclesiais que, até então, eu tinha tido como paradigma para pensar as exigências de uma Igreja que necessitava fazer esforços para uma reviravolta na sua dinâmica missionária pastoral. As reflexões feitas e escritas foram presságios importantes que me ajudaram e continuam a ser bússolas na experiência hodierna, como pároco numa paróquia com estilo profundamente urbano.
Seguindo essa linha de raciocínio, o que quero trazer é que no interior a vida do povo ainda está muita centrada no que a paróquia tem a propor. Há um estilo muito provinciano. Mesmo que o secularismo esteja invadindo também o limiar e o ethos dos habitantes destas comunidades, a Igreja continua a ter um protagonismo muito forte, com seu poder de aglutinação e formação qualitativa da mentalidade das pessoas. Com isso, o papel do Padre continua muito relevante. Dependendo da cultura católica daquela comunidade eclesial e da sua autoridade moral, de alguém que pelo seu testemunho de vida é livre, o sacerdote continua a ser “a maior e melhor liderança da sua circunscrição eclesiástica”. E isso também no próprio aspecto social, quando a dimensão evangelizadora da paróquia abrange as possibilidades de promoção humana na assistência aos idosos, jovens, crianças e demais pessoas que estejam em situação de risco e abandono.
Na área das grandes cidades, a complexidade é maior, mesmo que eu seja daqueles que veiculam a reflexão na lógica da diferença que completa, e não dos que apostam numa diversidade que violenta e exclui. No mundo urbano a paróquia, caso não tenha um perfil pastoral, parece ser mais uma ‘prestadora de serviços’. Se não tiver atenta à sua identidade, transforma-se uma pequena empresa, com grandes negócios. Os católicos que foram sacramentalizados, sem serem evangelizados, a buscam como se ela fosse um shopping das coisas sagradas. Ainda mais, temos que valorizar estes poucos que procuram, pelo acolhimento, que não quer dizer subserviência, irresponsabilidade, nem negação da verdade, mas esta última sempre acompanhada da caridade que ilumina os passos de quem deseja fazer uma experiência de Deus, para que o Evangelho seja a via daqueles que são batizados e que necessitam dar um salto de qualidade na sua forma e jeito de ser cristãos.
Nesta dinâmica difusa e que permeia esse modo de ser da Igreja nas realidades urbanas, em sintonia com o que o Papa Francisco está a nos dizer, provocar e orientar, faz-se necessário que de fato, não só de direito e estruturalmente, trabalhemos a projeção da ação missionária das nossas paróquias, principalmente aquelas de áreas com perfis mais desenvolvidos economicamente, numa perspectiva sinodal. É lamentável constatarmos que a mentalidade e o jeito de ser Igreja em muitas cercanias da pastoral urbana é feudal. Até mesmo o uso dos meios de comunicação, que deveria ser para fomentar a pastoral de conjunto, ou seja, a ação orgânica da Igreja de modo sinodal, só serve para “endeusar” figuras narcisísticas, autorreferenciais e burguesas, sem nenhum compromisso sério com bem mais amplo da Igreja. Esta, para alguns, é só um trampolim para a vitória econômica e egolátrica.
Sendo assim, uma mudança no jeito de ser Igreja é extremamente salutar para a vida e a missão das nossas Arqui(Dioceses) com uma forte presença no mundo e na cultura urbana. Uma das questões que, sem dúvida, serão abordadas no Sínodo será essa da missão que precisa ser feita de modo mais coeso, integral e permanente na complexidade das grandes cidades, considerando o todo destas aldeias pós-humanas, pós-modernas e pós-covid, onde um novo normal está sendo reelaborado.
Enfim, não esqueçamos que o protagonismo na Igreja do terceiro milênio é dos Leigos. A escuta é geral. Ainda mais, precisa alcançar até mesmo os que não fazem parte da Igreja, sacramentalmente. Durante séculos nos sustentamos no “Clericalismo”. Tenho para mim que o modo como o Papa Francisco está pensando o aprofundamento sobre a Sinodalidade, nos levará a um Vaticano Terceiro. As pedras foram lançadas. Em algumas áreas da catolicidade já é defendido um outro evento desta magnitude. Esse Sínodo já nos trará muitas questões contemporâneas que precisam ser assumidas pelo modo de ser Igreja. Por mais que façamos referências, há temas hodiernos que estão sufocando o que a Igreja propõe. Contudo, “caminhemos juntos”. Vamos em frente. A retropia (Baumann) tem sua importância, pois nela contemplamos um passado que nos prepara na compreensão do presente; mas, como cristãos, o tempo de Deus é sempre hoje, no qual o Kairós acontece. É nele que nos são reveladas as promessas do nosso futuro. Assim o seja!
Por Pe. Matias Soares / Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório, em Natal