Corpos somem de cemitério na Grande Natal

Por Francisco Francele
“Onde estão os nossos mortos? Para onde levaram nossos parentes que descansavam em paz?” O questionamento, em tom emocionado, foi feito ontem por um grupo de moradores humildes da comunidade do Pium, situada a 20 quilômetros de Natal. Eles denunciaram à reportagem do Diário de Natal a situação de constrangimento a que foram submetidos para assinar um documento autorizando a remoção dos restos mortais dos sepulcros do Cemitério Novo do Pium, que foi desativado para dar lugar à construção de uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) da Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern).

Os moradores dizem que assinaram o documento sob coação da Câmara Municipal de Nísia Floresta, especialmente de um vereador, que teria visitado a todos os familiares ameaçando que se não assinassem uma construtora passaria o trator por cima dos restos mortais. O medo das ameaças levou a maioria das famílias a assinar a remoção, mas na condição de que fosse feita na presença delese pudessem acompanhar todo o processo até outro cemitério. Após a assinatura do documento, as famílias foram surpreendidas com a notícia da remoção dos corpos sem o acompanhamento de ninguém e até hoje não sabem para onde os restos mortais dos parentes foram levados.

Na manhã de ontem, os familiares voltaram ao cemitério, constataram a terra revolvida e consideraram o ato como uma “violação de cadáveres”, tendo em vista que foi feito praticamente às escondidas. Dos oito corpos que foram sepultados no cemitério, exumaram seis, restando ainda dois, provavelmente porque não conseguiram assinatura de ninguém da família. Os familiares reclamam que lhes foi negado até o direito de identificar os locais onde estão enterrados e, consequentemente, o de veneração no dia de Finados.

“Assinei o documento porque tive medo de espalharem os ossos de meu filho com um trator como prometeu o vereador”, disse o casal de agricultores Francisco Viturino Raminho, 52, e Maria de Lourdes Anselmo, 46. O filho do casal há dois anos foi sepultado no cemitério. Ele era o 12º filho de um total de 13, vivendo em condições de pobreza.

Construído pela Prefeitura de Nísia Floresta, em julho de 2003, na administração do prefeito Lourenço Neto, o cemitério foi construído porque o antigo enfrentava superlotação. Com o interesse pela Caern na implantação da ETE no local, o novo cemitério, que só enterrou oito corpos, foi desativado, desapropriado e deverá ser brevemente demolido.

A reportagem procurou a Prefeitura de Nísia Floresta, responsável pela administração do cemitério, mas não encontrou o prefeito que sequer atendeu as ligações. Em nome da Prefeitura falou a secretária de Administração, Rosimere Bezerra que, monossilabicamente, negou todas as denúncias de coação para obter as assinaturas e afirmou que o traslado dos corpos até o Cemitério de Alcaçuz foi feito pelas próprias famílias. Ela também negou a intermediação de qualquer vereador nas transferências.
 



Fonte: Diário de Natal
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