Pe. José Lenilson de Morais – adm. da Paróquia de Nossa Senhora do Ó
A palavra purgatório parece nos remeter imediatamente a uma realidade ultrapassada da Idade Média, digna dos livros de história do Ensino Médio ou até Universitário, que normalmente criticam a Igreja, sem uma abordagem mais profunda da cultura geral daquela época. Pensemos, por exemplo, que alguns professores falam da inquisição – algo realmente contrário ao Evangelho da Misericórdia – como algo exclusivo da Igreja Católica. Os críticos se esquecem da Inquisição Protestante e da inquisição do próprio Estado, quando dominava a lei geral, aceita pela sociedade da época. Pela lei, todo membro da sociedade que colocasse em perigo a vida social deveria ser eliminado. Hoje mesmo, a inquisição continua, não mais com fogueiras de madeira, porém com o fogo da eletricidade (cadeiras elétrica), o fogo das armas (fuzilamento) ou o fogo da química (injeção letal). A Igreja, criticada como retrógada, realmente evoluiu. Não é ela que abençoa a “cultura da morte”, nem autoriza as execuções penais e legais.
Voltando ao Purgatório, esta realidade, que nada tem haver com lugar, com espaço físico, permanece imutável no Deposito da Fé da Igreja, e tem sua fundamentação bíblico-teológica e antropológica solidamente edificada em 20 séculos de Tradição. Um apanhado bem feito o faz Leonardo Boff, no livro “Vida para além da morte”, por sinal bastante ortodoxo. Purgatório é verdade de fé para todo católico, seja ele teólogo, catequista, sacerdote ou genitor. Cabe-nos aprofundar o tema, adaptar a linguagem, porém jamais abandonar ou ridicularizar a doutrina sobre o purgatório. E qualquer pessoa sensata, independentemente de sua religião ou igreja, haverá de admitir, como ponto de partida, que todos nós, seres humanos pecadores, precisamos, vez por outra, passar por um processo de purificação. Durante a vida realizamos vários “rituais de purificação”: tomar um belo banho para tirar a gordura e o mau cheiro do corpo; tomar um chá, purgante ou digestivo para “limpar” o estômago e intestinos; fazer uma terapia, uma prática de meditação para aliviar o estresse do dia-a-dia ou realizar uma bela caminhada na praia ou num parque bem arborizado. Ninguém duvida de que estas coisas nos purificam, nos renovam e nos restauram. Por que, então, haveríamos de negar uma purificação espiritual na hora de nossa morte? O purgatório não é um lugar onde as “almas” ficam esperando ou penando. Os “intelectuais ignorantes na fé” chamam o purgatório, crítica e tolamente, de “local intermediário entre o céu e o inferno”.
Na verdade, o purgatório se dá no momento exato da morte, mais exatamente no encontro pessoal e definitivo com Cristo para o julgamento (Hb 9,27), na misericórdia e no amor, mas também na verdade que, para libertar definitivamente o homem, tem que colocá-lo diante de si mesmo e de suas escolhas. O purgatório é somente para os salvos, isto é, para qualquer pessoa do mundo que, durante sua vida, ainda que no último instante, acolheu a graça salvadora de Cristo. Cristo nos perdoa em vida, mas completa em nós sua obra restauradora somente no encontro definitivo com Ele. É somente lá que as máscaras caem para sermos definitivamente restaurados no amor. Enquanto nesta terra estivermos, nenhum de nós pode se dizer santo, puro, justíssimo, pois tudo muda e, de repente, o honrado de hoje poderá ser o ímpio de amanhã; o contrário também é verdade (Ez 33, 18-20).
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