Por Pe. Matias Soares, Pároco de S. J. de Mipibu e Vig. Episcopal Sul.
O tema proposto é aparentemente anacrônico para aqueles que não têm conhecimento teológico ou de ciências afins. A época contemporânea não pode negar a influência do religioso na transvensalidade das ciências humanas. Os racionalistas perfuram esta discussão e são vencidos pelos fenômenos. O ser humano tem sua dimensão transcendental revelada pela vivência do religioso. A posmodernidade, longe de negar esta constatação clássica, a afirma cada vez mais.
A partir duma leitura global, pela relevância das grandes religiões no ethos mundial, até as pequenas formas de viver o sagrado nas nossas realidades. Por isso, podemos pensar: como a religião e o encantamento com o mistério influenciam na vida organizativa da Sociedade e, neste caso, na vida das instituições e empresas? Deixo este questionamento porque não desejo que esta reflexão fique condicionada ao âmbito eclesial.
O autor americano, Harvey Cox, na obra “A cidade do Homem”, citando Von Oppen, afirma que “o princípio da organização entrou na história ocidental com o Evangelho cristão, que apresentava uma exigência de decisão pessoal, quando necessário até em detrimento das relações familiares, religiosas e étnicas. A nova comunidade da Igreja apresentou uma ruptura decisiva com todas as ordens tradicionais que a precederam. Relativizou radicalmente os agrupamentos nacionais e raciais e produziu uma nova espécie de princípio integrativo”. Parece-nos uma ideia ousada, mas que tem sua ressonância na organização de qualquer instituição. Na gestão, a inovação e a sistematização das ações são princípios determinantes. É conversão permanente e continuada. Não é simplesmente revolução, já que esta tem na violência, física ou ideológica, seu método para a consecução dos fins; é sim, busca perene de aperfeiçoamento e qualificação. A modernidade tornou esta perspectiva evangélica e subjetiva, pragmática e objetiva e desumanizou a gestão como arte de organizar e sistematizar as ações dos agrupamentos humanos, tendo em vista os benefícios econômicos e patrimoniais. As grandes empresas e instituições já estão cientes que a espiritualidade ajuda na humanização e conscientização dos componentes duma equipe de administração. Tanto que, o melhor investimento que um gestor faz para o aperfeiçoamento da sua entidade é nas pessoas que nela estão trabalhando ou prestando algum serviço. A força de qualquer instituição ou empresa está nas pessoas competentes e capacitadas que nela estão laborando. Isto desde o que chefia até o que é chefiado.
A espiritualidade, longe de ser algo que nos aliena do real, nos leva a ver a realidade interpretando-a partir de princípios universais e totalizantes. Uma pessoa de mente e psique desestabilizadas desorganiza qualquer agrupamento no qual esteja inserido. Não é a toa que autores espirituais estão tendo muito espaço literário nas aulas dos cursos de administração. Um homem orante da Palavra, sem dúvida, encontrará muitas leis de organização empresarial na Sagrada Escritura. Desde o Antigo testamento (Ex 18,13-27), que nos mostra a importância do trabalho descentralizado, até o novo (Lc 14,28-33), que nos orienta quanto à necessidade do planejamento para a execução das nossas atividades e iniciativas institucionais, dentre outras passagens.
Com o exposto, não se quer, ingenuamente, relativizar a importância dos fundamentos das ciências econômicas, jurídicas e políticas para pensar as estratégias da gestão. O que pode ser lembrado é que as ações administrativas que não contemplam que existe um antropocentrismo e, com este, um horizonte transcendental a ser considerado na organização das empresas e instituições, na atualidade, estão desatualizadas e empobrecidas. O tempo atual é fortalecido por tudo o que o ser humano pode fazer no presente. Quem faz este atuar no tempo é o humano que se encanta com o mistério e deseja aperfeiçoar-se para aperfeiçoar as suas ações, tendo em vista sempre o melhor.
O então cardeal Joseph Ratzinger, na sua obra Introdução ao Cristianismo, afirma “que deve ficar claro é que a Igreja não deve ser pensada em termos de organização e sim a organização deve ser entendida em função da Igreja”. Ela é mais do que organização, mas não dispensa esta última. Neste sentido, existe uma relação com o que foi lembrado no início e o que é constitutivo da ação eclesial no tempo e no espaço. A própria catolicidade da Igreja exige esta organização que a fortalece e passa a ser paradigma para as demais instituições do Mundo, principalmente na cultura ocidental.
Por isso, já concluindo, reiteramos, mesmo que imediatamente, a necessidade duma mística na gestão. Enfatizo esta tendência cristã e católica pela referência paradigmática. Mas é notório que as mentes contemporâneas já reconhecem a importância da relação com o transcendente para o bem daqueles que, estando bem consigo e com Deus, estarão mais preparados para conduzir as instituições que foram-lhe confiadas e que exigem responsabilidade e compromisso com a verdade e a justiça. Assim o seja!
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