[ARTIGO] FORMAÇÃO PRESBITERAL E CLERICALISMO

Foto: Reprodução/Facebook

A formação presbiteral tem sido objeto de preocupação e reflexão da parte de teólogos e muitos cientistas sociais. É constante lermos a seguinte assertiva: “as estruturas formativas da Igreja precisam de renovação”! O Papa Francisco tem reiterado constantemente a sua atenção devotada à formação presbiteral, como também sua inquietação no concernente à aplicação dos princípios formativos concebidos pela Igreja para as casas de formação. O ministro ordenado com capacidade de ‘discernimento dos sinais dos tempos’ é uma das recorrentes ponderações feitas pela lógica formativa de Francisco, que é um membro da Companhia de Jesus, os Jesuítas. Vale ressaltar o carisma ‘missionário e formativo’ da ordem, desde o início da sua fundação, com a estruturação dos programas de estudos, já depois do Concílio de Trento até a presença de teólogos referenciais no Vaticano II, como Karl Rahner e Henri de Lubac, ambos da Companhia. Esses detalhes históricos são valiosíssimos para alcançamos a preocupação do Santo Padre com a formação presbiteral.

Os fenômenos percebidos nos perfis das novas gerações de sacerdotes são preocupantes. O livro de A. Brighenti e colaboradores trás importantes constatações sobre a atual situação do ‘Novo Perfil dos Padres no Brasil’, que “numa nova perspectiva, por suas práticas pastorais e comportamentos pessoais, ao se vincularem ao recente deslocamento do profético para o terapêutico e do ético para o estético na esfera da experiência religiosa, tem provocado tensões e entraves nos processos pastorais em curso, tanto nas dioceses entre os presbíteros como nas paróquias onde atuam frente a religiosa, leigos e leigas” (Cf. pág. 17). Essa recepção não condiz com as impostações traçadas pelo Vaticano II. Uma justa hermenêutica do magistério conciliar e pós-conciliar: papas, documentos dos dicastérios competentes, conferências latino-americanas, episcopais, como também outras regionais e locais, nos colocará em situação de perplexidade acerca de como o estilo individualista, narcisista, egoísta, carreirista e, às vezes, até patológico tem caracterizado a vida e o comportamento de alguns presbíteros recém ordenados. Muitas casas de formação têm uma engenharia formativa que os infantiliza. Basta que comparemos e observemos as grandes preocupações pessoais e eclesiais da maioria dos recém-ordenados. Há um despreparo para o enfrentamento honesto e equilibrado das situações adversas dos tempos modernos. A maioria vive um entendimento eclesial de sacristia e auto protetivo.

Uma narrativa imediatista e irresponsável pode fazer com que a resposta seja a de que isso tudo é fruto do que estamos vivendo no contemporâneo. Essa via gera permissividade e várias enfermidades sociais no colégio presbiteral de uma Igreja Particular. Os sinais são patentes não só para quem está internalizado no ordenamento eclesial; mas também por quem, com as vias de publicidade que foram quantificadas, graças ao fortalecimento das Mídias Sociais, foi conhecendo muitas situações deploráveis que foram sendo reveladas, principalmente a partir de dois mil e nove, quando o Papa de então, Bento XVI, promulgou o Ano Sacerdotal. Daquele momento em diante, muitos escândalos em várias regiões do mundo foram sendo publicizados, tanto de ordem administrativa como sexual, tendo nos casos de abusos de menores a chaga ainda não sanada e que exigirá profundo espirito de humildade e busca pela conversão de muitos membros da Igreja, não só ministros ordenados, como, outrossim, dos demais membros do povo de Deus, especialmente os ordinários que insistem na política do acobertamento.

O Papa Francisco tem denunciado tenazmente o que ele chama de ‘Clericalismo’ como uma das grandes feridas da Igreja e que é emblemático nas várias situações de desordens das comunidades eclesiais. Essa postura fere o que é paradigmático da dinâmica e da existência da vida da Igreja (Cf. 1Cor 12-13). Uma outra palavra nesta mesma linha é o que ele diz sobre os dois inimigos sutis da santidade na vida dos discípulos de Jesus Cristo, a saber: o gnosticismo e o pelagianismo. Em ambos está a negação do primado da graça de Deus como protagonista da ação salvífica. O Pontífice tem a clara intenção de fazer com a Igreja retome a sua caminhada, tendo como bússola as raízes evangélicas e as fontes identitárias da sua belíssima tradição viva. O magistério de Francisco é uma maravilhosa tentativa da volta às comunidades eclesiais primitivas. Na Alegria do Evangelho, sua carta programática, temos muitas orientações atualizadas deste intento para a evangelização do mundo pós-moderno. Temos que fazer a urgente experiência da conversão missionária e pastoral para avançarmos nesta qualificação de estilo.

As novas gerações de presbíteros, com suas exceções, sem dúvida, especialmente na Igreja aqui no Brasil, à qual conheço de modo mais generalizado, têm tido uma certa postura à revelia do que é proposto pelo magistério oficial, quando não só ideologicamente, como ainda na prática, que fogem de uma preocupação com a vida pastoral da Igreja, enquanto ação continuada, permanente, samaritana e missionária desta que é sacramento de Jesus Cristo, Filho de Deus. O interesse de muitos recém ordenados é com a ‘teologia do pano’, cargos eclesiásticos, desvios de conduta na área administrativa e psicoafetiva, perseguições a quem não compactua com tais comportamentos e outras manifestações que mancham o rosto da Igreja, que passa a ser para muitos um lugar de promoção econômica e social, e não sacramento do Reino de Deus.

A mundanidade espiritual está sendo realçada em alguns destes novos irmãos. A ecologia pastoral é deficitária. O apelo às invenções que favorecem o preenchimento do ego, com pregações de autoajuda, ou coaching, beirando a um neopelagianismo, que são a nova onda do momento. Estas são discursos disfarçados de um psicologismo líquido e fantasioso, com uma verborragia que alimenta um emotivismo vazio e um catolicismo burguês. Não provocam conversão, nem promovem o evangelho. São falsárias e manipuladoras da boa-fé das pessoas. Os seus adeptos são pregadores de baixo nível teológico e mercenários, que fazem dos dramas e sofrimentos das pessoas, pobres ou ricas, lugares de aquisição de dinheiro e promoção social. Não é à toa que os últimos pontífices têm reiterado a preocupação com o cuidado que todos devemos ter com as homilias. As casas de formação precisam ter uma atenção cirúrgica a todas essas questões.

Diante de tantos desafios, o que fazer? Antes de tudo, uma aplicação determinada a tudo o que é orientação formativa da Igreja. O magistério do Papa Francisco tem ofertado orientações importantíssimas para a ressignificação do estilo formativo dos futuros presbíteros. Seu pedido para que a Igreja se volte às periferias geográficas e existenciais; uma Igreja pobre para os pobres; discípula e missionária; samaritana e sinodal; fraterna e alegre; verdadeira e transparente etc. Essas motivações precisam estar no esquema formativo das instituições eclesiásticas. Há a urgência de uma recepção teológica e testemunhal. O mundo pós-moderno e pós-covid está a exigir essa reviravolta de todos nós. As Igrejas particulares, através de seus pastores e demais membros do povo de Deus, necessitam desse levante evangélico e eclesial. A parresia, ou seja a coragem de dizer e viver a verdade, é uma graça do Espírito que nós somos chamados a acolher e fazer com que aconteça, tendo em vista os grandes sinais dos novos tempos e o bem maior de todos, não só dos creem, como também dos demais seres humanos.

Enfim, um caminho de conversão deve ser a nossa meta, considerando muitos âmbitos. A metodologia sinodal, fomentada pelo Papa Francisco, parece ser uma exigente via de atualização da Igreja para esse terceiro milênio. Vamos em frente! Muitas luzes estão surgindo e somos chamados a acolher as surpresas de Deus para esse tempo, no qual Ele quer que sua Palavra seja acolhida. Mais do que nunca, precisamos valorizar não só a qualidade da Igreja como aquela que é chamada à santidade. Precisamos também valorizar a sua dimensão profética. Os seus ambientes formativos precisam, da mesma forma, dessa proposta ousada e condizente com a mudança de época e a época de mudanças que estamos a viver. Assim o seja!

Por Padre Matias Soares / Pároco da Paróquia de Santo Afonso M. de Ligório (Natal)
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