No decorrer da minha existência sacerdotal tenho acompanhado, na prática, sem divagações desencarnadas, muitas situações de profundo sofrimento dos milhares de penitentes atendidos por mim no confessionário. Dentre elas, penso que as mais impactantes foram vividas no santuário de Santa Rita, em Cássia, na Itália, em agosto de dois mil e dezoito, quando naquele espaço sagrado estive a confessar, durante o período em que estudei em Roma.
Uma das mais fortes experiências vividas por um cristão católico é a celebração do sacramento da confissão, quando este é motivado pelo e vivido com o sincero propósito de conversão. O encontro da misericórdia com a miséria (S. Agostinho) é a síntese do que este canal da Graça representa para o consagrado a Deus pelo batismo. Muitos fiéis católicos precisam descobrir e redescobrir este tesouro; como também, muitos irmãos presbíteros devem ter mais consciência de que um dos mais belos serviços que prestamos às nossas comunidades eclesiais é o nosso testemunho de dedicação constante aos nossos confessionários para celebrar este santificante mistério sacramental.
Uma questão que é muito recorrente quando ouvimos o povo de Deus nos confessionários, a saber é: “Por que Padre, a existência de tantos sofrimentos? Por que Deus permite tais acontecimentos, como a morte de filhos, catástrofes etc? Recentemente, durante sua estadia no hospital Gemelli, na capital italiana, o Papa Francisco enquanto visitava o setor das crianças que estavam sendo tratadas de doenças incuráveis observou que “para algumas perguntas da nossa existência, não existem respostas”. O mistério do mal e da iniquidade, na sua intensidade, só pode ser respondido, na sua contraposição, pelo sublime e salvífico mistério do Amor.
Temos que ajudar o nosso povo a ser capaz de ofertar-se a Deus. A nossa história evangelizadora sempre foi marcada por uma teologia do medo, temos dado passos no esclarecimento acerca do primado da Graça; mas, um tanto quanto, ainda, precisamos recordar a valorização da “adoração pela gratuidade”. Uma das questões que mais dificultam uma consistente experiência de fé, a partir do que é na sua catolicidade o mistério pascal de Jesus Cristo, é o não reconhecimento da necessidade de nos ofertamos a Deus-Pai em sinal da nossa adoração. A nossa fé, que, amiúde, é muito infantilizada, deve meditar mais o capítulo vinte dois do Gênesis -O sacrifício de Isaac- contemplar Jesus no Getsêmani, em vinte seis de Mateus; e o próprio testemunho de Maria Santíssima, que acompanha toda paixão e morte do seu Filho, que é relatada genialmente na grande obra de Michelângelo: La Pietà.
Por fim, em tempos ainda marcados pela pandemia, traspassados pelas incertezas que geram enfermidades físicas, psicológicas e espirituais; desconstruções estruturais, que estão a nos colocar diante de desafios a serem enfrentados com muito empenho e determinação, o nosso posicionamento precisa ser construído com prudência, confiança e abertura de coração para as novidades que chegarão em tempos correntes e vindouros. Na nossa relação com Deus, a ação de graças é para ocupar um lugar prioritário. A nossa vida é para ser um dom constante a Deus e ao próximo. A partir desta dual unidade, podemos pensar a beleza e maravilha da Eucaristia como Sacramento do Amor e da Confissão como Sacramento do Perdão. Assim o seja!
Por Pe. Matias Soares / Pároco da Paróquia de Santo Afonso M. Ligório, em Natal