O Para Francisco, com a Exortação Apostólica Pós-sinodal, Amoris Laetitia, ou seja, a Alegria do Amor que se vive nas famílias, e que também é o júbilo da Igreja (AL, 1), deu continuidade ao que ele mesmo diz, na Alegria do Evangelho, que deseja para os membros da comunidade eclesial, a saber: “uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão” (EG, 25). Essa mudança paradigmática tem como fundamento o Evangelho (EG, 34), que tem como chave de leitura a ação misericordiosa de Deus. Ela é o elemento principal da “Nova Lei, pela ação do Espírito Santo, que se manifesta através da fé que opera pelo amor” (EG, 37). O centro do agir moral da Igreja é a misericórdia, pois “ela é a maior de todas as virtudes” (EG, idem). Essa introdução nos coloca em sintonia com a intenção pastoral do Sumo Pontífice para toda a Igreja, neste momento da História.

O capítulo VIII da Amoris Laetitia foi, e ainda está sendo alvo de muitas controvérsias. Nele, o Papa Francisco, depois de consultar e realizar um percurso de preparação, com consultas em todas as Igrejas Particulares, reconhecendo o Senso dos Fiéis, até chegar às conclusões, exorta que a Igreja precisa acompanhar, discernir e integrar a fragilidade das famílias. Afirma que “a Igreja deve acompanhar, com a atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança, como a luz do farol de um porto ou de uma tocha acesa no meio do povo para iluminar aqueles que perderam a rota ou estão no meio da tempestade”. Continua o Pontífice, “não esqueçamos que, muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha” (AL, 291). Essa imagem é usada para dizer que a Igreja é Mãe. Ela é aquela que cuida. Não abandona. Para ela, como para as outras mães, um filho ou filha, serão sempre filhos e filhas.

Para que este processo de cuidado das famílias, que por motivos variados não puderam corresponder às promessas matrimoniais, o Pontífice orienta que haja a gradualidade na pastoral. A dignidade das pessoas não pode ser desconsiderada. Os ministros ordenados e demais membros da comunidade eclesial precisam “acolher aqueles que fazem parte da Igreja com atenção pastoral misericordiosa e encorajadora”. Para que estas atitudes realizem-se, é indicado o caminho do discernimento pastoral, que possibilitará “a identificação dos elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual dos envolvidos” (AL, 293). Para o Pontífice, “duas lógicas percorrem toda a história da Igreja, a saber: a) marginalizar; e b) reintegrar. O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração” (AL, 296). Para as situações irregulares, há orientação de se voltar a “ouvir o anúncio do Evangelho e o convite à conversão”. Esta metodologia e postura pastoral são exigentes e nos colocam diante de alguns desafios. Alguns destes, pensados por mim, os apresento a seguir, para que tenhamos parâmetros de reflexão e amadurecimento da ação pastoral junto às famílias. Pensei o seguinte:

  • O problema de como foi, no passado, a ação pastoral da Igreja: para quem conhece a história e a metodologia da nossa pregressa ação missionária, pode reconhecer que a maioria dos fiéis de muitas comunidades eclesiais foi mais sacramentada do que evangelizada. Longe daqui, qualquer juízo de valor moral. Não é minha intenção cair no anacronismo histórico. Rendemos graças a Deus por todos os nossos antecessores que deram a vida para que tantas pessoas fossem marcadas e tivessem a confirmação da graça de Deus em suas vidas. Todavia, na atualidade, com a tangibilidade do secularismo, há uma constatação de que a maioria dos membros das comunidades cristãs, não fez a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo. Muitos são membros da comunidade, mas necessitam de uma profunda, consistente e permanente adesão ao seguimento do Senhor. Por isso que, existe um distanciamento da verdade, porque dois caminhos são tomados por estes que foram sacramentados e não evangelizados. Vejamos: A) – O laxismo moral: a atitude de quem se tornou corrupto, ou seja, de quem vive como se não existisse o pecado. O chamado à conversão já não provoca à sua consciência (Mc 1,15). O amor a Deus e ao próximo já não é performativo da sua vida cristã. Sem essa abertura ao amor, a pessoa não consegue reconhecer a verdade de Deus (Cf. S. Agostinho, Confissões). Em Agostinho, é o amor que nos capacita para o conhecimento da verdade. B) – O legalismo: a justiça de Deus, em Jesus Cristo, não é revelada pela lei, mas através da misericórdia (Jo 8, 1-11). Esse tema foi bem aprofundado no Ano Santo da Misericórdia, lembrando especialmente, além de toda a literatura teológica apresentada, o pontificado de São João Paulo II, com a Dives in Misericórdia, que foi um referencial magisterial para que o Papa Franscisco convocasse o jubileu. Há uma mentalidade legalista muito forte nas estruturas eclesiásticas. A lei, para muitos, é o fim, e não o meio da Salus Animarum.
  • A formação integral dos ministros ordenados: além da conversão missionária e pastoral, os ministros ordenados necessitam de uma formação integral para o qualificado empenho apostólico, junto às famílias, ajudando-as a integrarem-se na vida da comunidade cristã, “pois os pastores, que propõem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e a doutrina da Igreja, devem ajudá-los também a assumir a lógica da compaixão pelas pessoas frágeis e evitar perseguições ou juízos demasiados duros e impacientes. O próprio Evangelho exige que não julguemos, nem condenemos (Cf. Mt 7,1; Lc 6,37)” (AL, 308). Podemos acrescentar, que os ministros ordenados, para não agirem como os fariseus, também são chamados à conversão e à vivência do Evangelho, assim como os demais fiéis batizados. Por isso, é importante que: A) – uma formação teológica interdisciplinar: já existe a preocupação, nas estruturas, onde são formados os futuros ministros ordenados, com a inserção das ciências humanas na formação seminarística. Na nova Ratio fundamentalis é a importância da formação espiritual e humana foi enfatizada. B) – a personalidade integrada: além da formação seminarística e permanente, a Igreja está preocupada com a formação inicial dos futuros presbíteros. A história do homem que será sacerdote é tomada como uma questão também relevante no processo formativo do futuro presbítero. A personalidade integrada de um sacerdote será importante para que a experiência do amor e da misericórdia possa formar a sua vida sacerdotal. Sem ingenuidades, nem barateando o que é próprio do Evangelho, que é a necessidade da conversão, o ministro ordenado também precisa estar humanamente integrado para que possa ser sujeito e canal da graça de Deus, na vida das famílias, principalmente daquelas que estão em situação de sofrimento e querendo, humildemente, o acolhimento materno da Igreja, que é chamada a ser casa da misericórdia para todos.

Por fim, esta preocupação de proporcionar o acompanhamento, o discernimento e a integração das famílias no seio da comunidade cristã, deve ser assumida por todos. Temos que aprender de Jesus, a partir da sua prática missionária e pastoral. Igualmente, temos que aprender de São José, que se fosse insensível á vontade misteriosa e misericordiosa de Deus, não teria acolhido à Mãe de Jesus como sua esposa, e não teria tido a magnifica alegria de ser o pai adotivo de Jesus Cristo, Filho de Deus e salvador da Humanidade. Assim o seja!

Por Matias Soares / Padre da Arquidiocese de Natal

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