Na sua entrevista, no dia 09 de março/2017, ao jornal Die Zeit de Hamburgo, na Alemanha, o Papa Francisco questionado sobre algo que mais o aborrece na vida da Igreja, assim respondeu: “(…) Fico aborrecido quando a Igreja, a Santa Madre Igreja, minha mãe, a minha Esposa, não dá um testemunho de fidelidade ao Evangelho. Isto me faz mal”. Em outros momentos o Pontífice deixou claro que a verdadeira e autêntica reforma da Igreja tem por fundamento o Evangelho. Para Francisco “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria (EG, 1). Com o pontificado do Papa Francisco há uma irrenunciável preocupação de colocar no centro da vida da Igreja e de todos os cristãos batizados a centralidade do Evangelho como referencial universal e categórico para todos os discípulos missionários.
Há uma narrativa antiga de que quando São Francisco foi pedir a aprovação ao Papa de então para começar a sua obra, o Pontífice pediu-lhe a sua regra e o mesmo entregou-lhe o Evangelho. A santidade da Igreja é consistente quando tem essa Boa Notícia como fundamento. A mensagem de Jesus foi traída, em muitos momentos da História, pela interpretação ideologizada e a prática desvirtuada desta proposta original e originante. A finalidade primeira e última do Evangelho é o anúncio, a concretização do Reino de Deus e a salvação da Humanidade. Historicidade e Soteriologia se completam e mostram ao ser humano o sentido da História e da vida de cada pessoa que se converte, pela fé, a esta proposta que, acolhida e testemunhada, é fonte e fundamento da santidade (2Tm 1,8-10). No Novo Testamento, o Evangelho como proposta particular e verdade universal se confunde e se unifica. É o único necessário. Não é questão de doutrinação, mas de verdade dinâmica e evolutiva da condição humana. A doutrina pode atrofiar a capacidade de pensar se não estiver atenta à História e à própria situação subjetiva da pessoa humana. A partir do Evangelho, as categorias existenciais da vida cristã devem ser compreendidas. A manipulação mundanizada da mensagem evangélica barateou e subjugou a essência do que Jesus continua a querer para a Igreja e para o Mundo.
O Evangelho não tem partido político, grupo ideológico, direita e esquerda, pretensões de poder humano e glórias terrenas (Mt 4, 1-11). A nossa paixão é anunciar o Reino de Deus e a sua justiça. Essa palavra é libertadora e harmoniza todas as coisas. Se não acreditamos e apostamos nesta verdade, então a nossa experiência de fé é um fracasso. O pior: talvez, nem a tenhamos! Nos tornamos escravos das estruturas e das formas orgânicas de poder e bem estar social e institucional. A hierarquização ministerial nos tornou senhores e donos de uma mensagem que não transforma, mas que só serve para justificar o que queremos, e não o que Jesus quer e mostrou que fizéssemos (Jo 13, 12-15). Em contextos tão polarizados e bestializados como os que a sociedade pós-moderna está contemplando e fortalecendo, há a urgência de um diferencial que possa qualificar e nortear uma possível reviravolta da História planetária. O discurso sobre a ecologia tem aqui o seu fio condutor. O Evangelho é integrante. Não
violenta e não destrói, não gera injustiça e morte na vida das pessoas e do planeta. Muitos filhos da Igreja não aprenderam ainda com Jesus. O reino Dele não é deste Mundo. Com isso, não se pretende cair num espiritualismo desencarnado. Não! O que precisa ser entendido é que temos que confiar na força do Evangelho. Sem conversão ao mesmo não há Cristianismo; nem nos tornamos cristãos. A Igreja torna-se uma Ong com adeptos que pouco a pouco estão deixando de acreditar no que ela está anunciando. Ela pode estar, por enquanto, com muitos católicos, mas poucos cristãos. A conversão missionária querida pelo Papa Francisco passa, necessariamente, pela conversão e centralidade que urgentemente devemos dar ao Evangelho. Quando nos deparamos com as críticas iluministas e filosóficas que são feitas ao Cristianismo, percebemos que é uma crítica feita aos desdobramentos mundanos e manipulados do que deveras o Evangelho não é, e a sua orientação universal. Para muitos, talvez, pareça estranho escrever sobre essa questão; todavia, essa será sempre a preocupação do Cristianismo para si e para a Humanidade. O Evangelho é a essência do Cristianismo e da existência cristã.
Durante este mês de março/2017, o monge italiano Enzo Bianchi está fazendo meditações sobre o Evangelho e temas transversais que, de certo qual modo, me motivaram a escrever esta reflexão acerca do que seja esta Boa Notícia para a vida de cada um de nós e para a Sociedade. O pobre, o enfermo, a mulher, o estrangeiro etc… O Evangelho nos ensina e nos salva porque nos diz que existe um novo mandamento: amai-vos uns aos outros… Só o amor salva o Mundo. Deus salva nos pelo seu amor e nos salvamos se nos convertermos ao amor. Aí está a mensagem central do Evangelho.
Por fim, há um cântico que nos ensina que onde reina o amor, Deus aí está. O que é próprio da vida da Igreja para a Sociedade e para o Mundo é anunciar e testemunhar esta Palavra. É o Evangelho. Ele é sempre atual, porque é de Deus e vem Dele. Não há amor maior do que o Daquele que dá a vida por quem ama. Assim o seja!
Por Padre Matias Soares / Arquidiocese de Natal
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