O que sentimos quando nos deparamos com um miserável? Não quero apresentar o conceito ou o que tantos já disseram sobre a miséria. Quero partir do real. O Mundo é o lugar onde nos deparamos com os miseráveis. Na vida sempre existe essa condição de possibilidade. Não há realidade mais deprimente que possa fazer parte da existência humana do que a miséria. Ela anula historicamente a vida e a beleza humanas. É terrível! O miserável não tem ninguém, não é lembrado por ninguém e não é cuidado por ninguém. Ele torna-se a personificação do Nada. Ele é a verdade realizada do que é capaz de ser e fazer a pessoa humana quando não ama. A miséria é a prova perceptível da capacidade humana de ser mau. Quer compreender o senso do mal? Contemple o rosto da miséria. Ela tem uma face, ela tem uma história, que, ao invés de superá-la, a promove e fortalece constantemente.
A miséria é horripilante, é suja, é fedorenta. Ela não tem voz, nem vez. A sua casa é o lixo e o insensível. Ela não tem casa, nem pai, nem mãe, nem irmãos. A sua companhia é o abandono. O seu lar é o inóspito. O seu lazer é o que causa a sua destruição. Não tem alegria, nem paz nem bem. O seu alimento é o abjeto. A sua coragem é a covardia e esta é a sua arma. Ela não tem uma só atitude, mas várias. Ela é espiritual, é material e integrada. Ela invade o micro e o macrocosmo. A sua força está na sua semelhança. Ela está tão longe e tão perto. Nela a coincidência dos opostos toma forma imanente.
Lançando um olhar de indignação sobre a miséria humana, temos que nos sentir provocados. Como cristãos, cidadãos e humanos. Na miséria, sentimos que podemos nos tornar piores do que os animais. Aqui, não está em jogo só a condição racional. Mas sim, o que é o ser humano e suas possibilidades. A sua crueldade, a sua perversidade, sua ambição e insanidade. O humano, com sua capacidade destrutiva, é o mais devorador e antropófago dos animais. Ele não se importa com o outro. O nega e tira-lhe a sua dignidade. A miséria caminha com o humano, porque ela é o humano. Olhemos a miséria e vejamos que ela não é só o pobre. A pobreza sempre teremos e poderemos ser, sem nos acomodarmos a ela. O pobre tem alguém, é amado pelos seus e tem a visibilidade do que é humano. Devemos ver e ter claro que há uma diferença entre a miséria e a pobreza. Tristemente, a miséria é pior do que a pobreza. A primeira é mínina, enquanto que a segunda é ampliada. Ambas diferem em qualidade e quantidade. Há a urgência humana e global de refletirmos sobre o ser e a existência da miséria. A Humanidade, os países, os estados, municípios e demais instituições devem olhar o significado aterrador da miséria no Mundo. O portador da miséria é o Ser Humano. O causador da miséria é o Ser Humano. O seu objeto e sujeito são o Ser Humano.
O caminho para o enfrentamento da miséria é a ruptura com a sua causa. Quem pode dizer o seu princípio e o seu fim? Não quero apontar quem historicamente a enfrentou. Temos que pensá-la e superá-la! Ela está aí. Bem aí! Não conseguimos descrevê-la sem vê-la. Olhe para ela. Grite por ela. Ela tem que ser tocada e conhecida. Quem a conhece poderia experimentá-la. O ponto de partida para mudar a situação global da condição humana passa pela atenção que todos devemos dar a situação da miséria. Sem transformação desta, permaneceremos no vazio e na contradição de que nascemos para amar. Sem mudança e enfrentamento da miséria poderá ser dito que nascemos para o ódio, que destrói.
Por fim, o maior questionamento que podemos fazer sobre a situação da miséria é como ela faz parte da nossa vida, direta ou indiretamente? No Mundo há uma mensagem ou atitude que tenham mudado a situação da miséria na História da Humanidade? Quais os lugares e realidades de miséria que conhecemos? Será que temos coragem de enfrentá-la? A existência da miséria é a miséria da condição humana. Assim o seja!
Por Pe. Matias Soares Pároco de São José de Mipibu