Por Rejane de Souza, doutoranda e literatura e colunista do Nísia Digital.
A linguagem e a vida são uma coisa só (…). E o idioma é a única porta para o infinito. Meditando sobre a palavra, o escritor repete o processo da criação. (…) Por isso quero libertar o homem e devolver-lhe a vida em sua forma original. Legítima literatura deve ser a vida. Ela tem de ser a voz daquilo que eu chamo ‘compromisso do coração’. (…) Quero voltar nas entranhas da alma, para poder lhe dar luz, seguindo a minha imagem. (…) E, para poder ser feiticeiro da palavra, para estudar a alquimia do sangue do coração humano, é preciso provir do sertão (…) porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão, onde o interior e exterior já não podem ser separados. (Guimarães Rosa)
A palavra na escritura rosiana é o fio de Penélope, fio mágico que tanto nos liberta como nos atrai pelo labirinto das veredas e transforma as nossas vidas. No deserto do sertão, a palavra brota, misturada a outras palavras, para nomear, para encantar, para seduzir, para ordenar, desordenar, para amar, para odiar, para sentir a natureza em movimento. A linguagem rosiana é a metáfora dos opostos, pois com ela, o escritor mineiro atravessa o consciente e o inconsciente na busca de tornar perceptíveis as forças metafísicas que movem o homem para o mal ou para o bem.
O crítico Bussy cita que “não é possível interpretar uma obra poética como se fosse um quadro, pois a palavra sempre significa algo mais, isto é, transcende a esfera estética. Ela fala de uma visão de mundo que nasce das profundidades da vida e nela intervém de forma violenta. E ainda mais poderosa que sua forma é a intenção espiritual que surge”. O semiótico Pignatari é mais categórico ao afirmar: “O poema é um ser da linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema, pois está sempre re-criando a linguagem”.
Esses pensamentos estabelecem uma comunhão com o universo criativo de G. Rosa, pois para o escritor a palavra não aponta para uma realidade, mas ela constrói sua própria realidade, nesse sentido, a palavra carrega em si uma semântica, que é ao mesmo tempo significante e significado. Ela funciona como uma entidade autônoma, sendo o ponto de partida e ponto de chegada, portadora de sentidos e sentidos.
Nesse caminho, a ação criadora da palavra instaura o ato da nomeação. Dar nomes às coisas é conferir-lhe significado a partir do nada, é o preenchimento das ausências, das lacunas. Só existe o que se pode nomear, esse ato é o que dinamiza o universo, pois é mediante a criação que o poeta/escritor renova e liberta a palavra de seu estado de dicionário, despertando no homem novas realidades e percepções.
Nessa travessia, G. Rosa tomou a palavra, através do inusitado processo de experimentação lingüística e de re-criação, para tornar possível o preenchimento dos grandes espaços vazios de um sertão que, na fala de Riobaldo, era o sozinho, que tomou corpo, forma e vida e se transformou no Grande Sertão: Veredas, que germinou:
“Travessia perigosa mais é a vida”
“O sertão é do tamanho do mundo”
“Diadorim é minha neblina”
“O sertão está em toda parte”
A partir do ato de nomeação, esses temas ganharam essencial importância na compreensão do romance. E, por isso, a palavra para o escritor é a musa inspiradora, o elemento do fazer poético. O escritor encontra nela o princípio e o fim das coisas. Ambíguas, movediças, turbulentas, abundantes, as palavras transcendem o espaço da escrita e projetam no espírito humano a imagem da vida possível de ser vivida, segundo as leis da poesia.
Publicidade
Deixe um comentário