AS VISÕES EQUIVOCADAS SOBRE A ESCRITORA NÍSIA FLORESTA (PARTE 1)

Por Cláudio Marques, professor e colunista do Nísia Digital.

Muitas lendas e mitos envolvem a escritora Nísia Floresta. Ela viveu num tempo em que o homem assumia todo papel de destaque na sociedade, e à mulher cabia um segundo plano que se limitava à criação dos filhos e ao zelo pelo esposo. O que se justifica, de certa forma, a visão preconceituosa e as leituras que eram feitas sobre sua personalidade e sua atuação em promover a inclusão e a cidadania do gênero feminino. Detentora de uma educação que ultrapassava as tradições provincianas de uma cultura brasileira patriarcal, fruto de uma “colonização tardia” e mal organizada, decerto incomodava uma casta de intelectuais do século XIX no Brasil. Para entender o processo do preconceito ao feminino, onde Nísia se insere, é preciso analisar o contexto histórico do período com a visão do presente. E, nesse caminho, a gente consegue compreender a dimensão do valor que Nísia Floresta tem para a educação, para mulher, para a política, para a filosofia e outras áreas pelas quais ela enveredou e se destacou.

De acordo com a pesquisadora, doutora na obra de Nísia Floresta, e autora de diversos livros sobre a escritora, Constância Lima Duarte, aos 13 anos do ano de 1823  Nísia casa-se com Manoel Alexandre Seabra de Melo. Em um estudo de Maria Simonetti Gadelha Grilo, aponta-se que Nísia teria se casado em São José de Mipibu aos 14 anos – Nesse período, o costume era que as mulheres jovens casassem-se cedo e de acordo com as vontades dos pais, que escolhiam os esposos com boa situação financeira para as filhas. Isso porque não era atribuída às mulheres a possibilidade de uma educação que ultrapassasse: cotes, costuras e instruções básicas de leitura.  Muitas das lindas sinhás não passavam de bonecas de porcelana ignorantes, fato fortalecido por  Gilberto Freire.

Por motivos não confirmados – mas que podem ser imaginados diante da personalidade culta e avançada de Nísia –  após alguns meses de casada, Nísia deixa o marido que é citado por Constância como “um rapaz pouco culto, mas dono de grandes extensões de terras vizinhas de Papari,” e retorna à casa dos seus pais. O fato curioso é que os pais aceitam de volta a filha, de forma pacífica, o que contraria também as tradições da época, sobre a condição da mulher separada.

O fato da separação não “oficializada juridicamente”, teve maior peso em sucessivas difamações que Dionísia sofreria – até tempos recentes. E na literatura há muitos relatos sobre a atitude de Nísia Floresta ter abandonado o esposo, logo após o casamento. No entanto, esses relatos tomaram forma na carta que Isabel Gondim escreve no Jornal República, acusando a conterrânea de ser uma vergonha para os da terra de Papari: atribuindo a Nísia Floresta a fama de ter vários amantes; não ser autora de alguns de seus textos. O que se observa em trecho da carta enviada a Sr. J.l.F. Souto:

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Sendo Isabel Gondim a principal portadora na construção de uma imagem negativa sobre Nísia Floresta, algumas inferências ocorrem a esse escriba: Por que tamanho empenho em neutralizar o potencial da ilustre conterrânea? Será que Isabel Gondim também queria ter o mesmo lugar de destaque? Ou o sentimento da inveja, que alimenta o ser humano desde a origem dos tempos também contaminou a escritora Isabel Gondim? Não seria mais adequado agregar sua imagem a de Nísia Floresta, ambas filhas do mesmo chão, e por isso orgulho do povo da terra? Quem sabe se este tivesse sido o caminho trilhado, na cidade não teria tido um cuidado especial de zelar por sua memória, como foi feita com a de Gilberto Freire, Augusto dos Anjos e tantos outros que têm espaços e nomes reconhecidos nas suas cidades natal.

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Uma resposta para “AS VISÕES EQUIVOCADAS SOBRE A ESCRITORA NÍSIA FLORESTA (PARTE 1)”

  1. Luis Carlos Freire

    Cláudio, só hoje pude ver seu artigo. Parabéns!
    Eu conhecia essa carta antes de colocar meus pés nas terras dos meus antepassados, através da minha mãe, a qual ainda traz nas veias o sangue de Nísia Floresta. Mas fui vê-la concretamente no Arquivo Público, em abril de 1992. Publiquei-a recentemente, pela primeira vez, inclusive com sua escrita original e no português atualizado (está no meu blog). Estou escrevendo mais para refletir com você uma experiência curiosa: venho sofrendo uma espécie de “bullyng” de algumas pessoas que não aceitam os fatos. Diz-se popularmente que “contra fatos não há argumentos”, mas alguns não aceitam e confundem, achando que tenho algo contra Isabel Gondim. Não é isso… apenas conto a história – factual. Uma história que se passou. Tem também outro título que escrevi e que não gostaram também “Alma Perturbada”. Eu acabo me divertindo com isso. Tem gente até querendo sugerir um plebiscito para mudança do nome da cidade… Haja paiência!!!

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